sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Boi-bumbá no Senado



Hélio Duque
Há séculos o Padre Antonio Vieira, em notável sermão, proclamou: “No Maranhão até o céu mente”. Agora, na eleição do Senado, Lula, viu a sua confirmação. Recebendo José Sarney, no Planalto, foi comunicado da sua candidatura à presidência da Casa: “O Tião Viana não se viabilizou como candidato”. De acordo com o jornalista Ricardo Noblat, em “O Globo”, Lula teria retrucado: “Como ele poderia ter se viabilizado se você negava que seria candidato, prometia votar nele, mas se articulava para ser?”
Senhor feudal do Maranhão, ao final do mandato de Presidente da República em 1990, elegeu-se senador pelo recém criado Estado do Amapá. Incorporaria um novo feudo político aos seus domínios oligárquicos. O ex-governador João Capibaribe, exilado político nos anos de chumbo, ao deixar o executivo amapaense elegeu-se senador, mas durou pouco tempo no Senado. Teve o mandato cassado pelo poder judiciário, sob a acusação de ter comprado voto para a eleição senatorial. Oposição à Sarney constatou o seu poder nas cortes brasilienses e foi defenestrado da titularidade do mandato. Astucioso e esperto, José Sarney vende uma imagem de aparente suavidade e membro da Academia Brasileira de Letras, quando na verdade é um implacável perseguidor e notável carreirista político.
Deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional) no final dos anos 50 integrava naquele partido o chamado grupo “bossa nova”, que tinha os parlamentares Seixas Dória, Ferro Costa, Adail Barreto, José Aparecido de Oliveira como companheiros defensores das reformas estruturais pregadas nos governos JK e João Goulart. O nacionalismo era o núcleo central do pensamento que unia aqueles jovens deputados integrantes da bancada UDN. Com o golpe militar de 1964, todos foram cassados, sendo que desde 1962, Seixas Dória era governador de Sergipe. Foi levado por vários meses para a prisão na ilha de Fernando de Noronha. O Deputado José Sarney escapou da cassação, aproximando-se do general Castelo Branco e sendo eleito com as bênçãos autoritárias governador do Maranhão, em 1965. Em 1970, no governo Garrastazu Médici, elege-se senador pelo seu Estado e passa a integrar a constelação das figuras importantes do poder ditatorial. Reeleito em 1978, assume a presidência da Arena (Aliança Renovadora Nacional). Em 1980, com a extinção dos partidos políticos, os generais João Figueiredo e Golbery do Couto e Silva, criam o PDS (Partido Democrático Social) como sucedâneo da Arena. O presidente nomeado para presidi-lo foi Jose Sarney. Nesses anos todos foi um fiel escudero da ditadura. Prestou relevantes serviços à ordem autoritária, enquanto na sua província feudal ampliava o mandonismo nomeando governadores biônicos.
O seu rompimento com o governo Figueiredo, não se daria por convicções éticas e democráticas. Ao contrário, presidente do PDS esperava que Paulo Maluf, escolhido pelo partido para a disputa presidencial no colégio eleitoral, o indicasse candidato a vice-presidente. Quando Maluf escolheu Flávio Marcílio, presidente da Câmara dos Deputados para seu companheiro de chapa, Sarney abandonou o PDS e ficou sem partido. O PMDB já tinha definido com a derrota da emenda das eleições diretas, o nome de Tancredo Neves, governador de Minas Gerais na liça da disputa presidencial no colégio eleitoral. O íntegro, honrado e saudoso Aureliano Chaves, vice-presidente da República, mas que tinha notórias divergências com Figueiredo desde os primeiros dias do governo, liderava uma forte dissidência de parlamentares e políticos que se substancializaria na criação do PFL (Partido da Frente Liberal), em apoio ao candidato oposicionista.
Formalizado o apoio a Tancredo Neves, caberia ao novo partido indicar o candidato a vice-presidente. O nome desejado pelo saudoso Tancredo era o do senador Marco Maciel, eleito em 1982 pela legenda do PDS. Ocorre que o PDS tinha candidato e temeu-se a sua impugnação, mesmo estando filiado ao recém criado PFL. Espertamente já sabendo que a eleição seria ganha pela oposição, Sarney se engajou na luta daquela frente democrática. Em reunião na casa de Aureliano Chaves (estive presente), Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, dentre outros, consensualizou-se a escolha de um candidato a vice que, sendo senador, tivesse sido eleito em 1978, pela sigla da Arena. O único que preenchia o requisito era o oligarca maranhense. O PFL indicaria Sarney para vice e para evitar riscos de impugnação, se filiaria ao PMDB.
Na convenção do partido, no plenário da Câmara dos Deputados, que aprovaria a chapa Tancredo-Sarney, ele no seu discurso, onde tremia igual vara verde, disse que se sentia como Paulo na conversão ao cristianismo na estrada de Damasco. Infelizmente a infecção hospitalar e a diverticulite mataram o presidente eleito. No seu lugar assumiu o vice, sepultando o sonho de uma nova república. O compromisso de Tancredo Neves de mandato de quadro anos não foi respeitado e Sarney promoveu na Constituinte festival fisiológico em defesa de cinco anos de mandato. Rádios e televisões foram distribuídas em grande escala aos parlamentares e governadores.
Nas últimas duas décadas, sempre eleito pelo Amapá, com o empobrecimento da vida política brasileira, transformou-se em figura referencial. Chega agora pela terceira vez à presidência do Senado e do Congresso Nacional. Teve em Fernando Collor e Renan Calheiros, dois dos seus importantes coordenadores de campanha. Segundo a revista Veja, um quarto dos senadores responde a processos. O compromisso de Sarney seria de não mexer na estrutura do Conselho de Ética, garantindo preciosos votos.
O jornalista Sebastião Nery, na “Tribuna da Imprensa” sumariou a realidade que sintetiza o feudo maranhense da família Sarney:
1. ”No Maranhão, para nascer, maternidade Marly Sarney. Para morar, vilas Sarney, Kiola Sarney ou Roseana Sarney. Para estudar, escolas José Sarney, Marly Sarney, Roseana Sarney, Fernando Sarney e Sarney Filho.”
2. ”Para pesquisar, pegue um táxi no Posto de Saúde Marly Sarney e vá até a biblioteca José Sarney, que fica na maior universidade particular do Maranhão, que o povo jura que pertence a José Sarney. Para saber notícias, leia “O Estado do Maranhão”, ligue a TV Mirante ou as rádios Mirante AM e Mirante FM, todas de José Sarney.”
3. ”Se estiver no interior, ligue uma das 13 repetidoras ou uma das 35 emissoras de rádio, também todas do mesmo José Sarney. Para saber das contas públicas, vá ao Tribunal de Contas Roseana Sarney (recém batizado com esse nome, apesar da proibição legal, o que no Maranhão não tem nenhum valor).”
4. ”Para entra ou sair da cidade, atravessa ponte José Sarney, pegue a Avenida Sarney ou vá à rodoviária Kiola Sarney. Lá, se quiser, pegue um ônibus caindo os pedaços e chegue ao município José Sarney.”
5. ”Não gostou de nada disso. Quer reclamar? Vá ao fórum José Sarney, procure a sala de imprensa Marly Sarney ou a sala da Defensoria Pública Kiola Sarney.”
E Nery, com seu estilo sarcástico dá a estocada final: “Desde Calígula, quem sabe Nero, nunca se viu gente tão abusada. E Sarney acha pouco. Agora é o boi-bumbá do Senado.”
Hélio Duque é doutor em Ciências, área econômica, pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi Deputado Federal (1978-1991). É autor de vários livros sobre a economia brasileira.